13 de Outubro

13 de Outubro

Aquele 13 de Outubro prometia mudar tudo

Aquele 13 de Outubro prometia mudar tudo. Foi o dia em que o mundo esteve suspenso, em que a fé e a esperança deram as mãos, em que gente de todos os credos e de todas as classes sociais comungou da mesma expectativa, em que ninguém duvidou das promessas feitas porque tudo parecia verdadeiro, legítimo e justo.

Os sinos que já haviam tocado a rebate repicaram então como nos dias de festa, as sirenes fizeram-se ouvir como quem anuncia um novo dia, as lágrimas de alegria jorraram por todo o planeta como se a humanidade fosse uma única e grande família.

Naquele 13 de Outubro o mundo (quase) parou para ver o resgate dos 33 mineiros chilenos que estiveram soterrados na mina San José, em Copiapó, durante 69 dias. Um a um voltaram à superfície a bordo da cápsula Fénix, o mundo respirou de alívio e, acreditou-se, o trabalho nas minas iria ser mais seguro.

Dez anos passados, a mina de cobre fechou e no local existe um pequeno museu; os mineiros, esses, caíram no esquecimento.

Há dois anos, a Justiça isentou a empresa mineira San Esteban de responsabilidades no acidente e condenou o Chile a pagar uma indemnização aos mineiros, mas o Conselho de Defesa do Estado recorreu da decisão alegando que já tinham sido ressarcidos por receberem pensões vitalícias. O caso continua em tribunal.

Longe das câmaras, muitos afectados psicologicamente e sem conseguirem arranjar emprego, sobrevivendo com uma pensão irrisória e sem que lhes reconheçam as doenças profissionais que os vão consumindo, como a silicose, os heróis daquele 13 de Outubro tornaram-se descartáveis.
A semelhança com a ave mítica que renasce das próprias cinzas, símbolo da ideia de que o fim é apenas o começo, da eterna esperança, é mera coincidência.

Este artigo encóntrase orixinalmente en http://www.avante.pt/pt/2443/opiniao/160740/13-de-Outubro.htm

Certifique-se

Certifique-se

Em pleno século XXI, na Bélgica como noutros países ditos civilizados, continua em vigor a certificação da pretensa «pureza» da mulher.

Um acto inútil para a saúde, sem pertinência científica, sexista, discriminatório de mulheres e homens, que pode ser vivido pela mulher como uma agressão – assim classifica o Conselho Nacional da Ordem dos Médicos belga, em deliberação de 16 de Fevereiro último, a prática de testes e certificados de virgindade, pelo que recomenda aos profissionais de saúde que se recusem a praticá-los.

É isso mesmo que acabou de ler. Em pleno século XXI, na Bélgica como noutros países ditos civilizados – pelo menos cerca de duas dezenas de países, segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), de Outubro de 2018 – continua em vigor a certificação da pretensa «pureza» da mulher. Como se fosse uma coisa ou um animal que se compra não apenas em bom estado mas em primeira mão. Nos cavalos investiga-se os dentes, nas mulheres o hímen. Onde está a dúvida?

Este comportamento degradante para quem o pratica e «doloroso, humilhante e traumatizante» para quem o sofre, como afirma a OMS, é tão inadmissível quanto injustificável. Ao contrário do que se pretende fazer crer, o conceito de «virgindade» não tem qualquer valor médico ou científico. Trata-se na verdade de uma construção social, cultural e religiosa que reflecte e visa perpetuar a discriminação das mulheres, confinando a sua sexualidade ao casamento e impondo a superioridade masculina, cuja sexualidade não está sujeita a qualquer tipo de avaliação.

Portugal não consta da lista da OMS, mas nem por isso há motivos para dormir descansado. Quando se trata dos direitos das mulheres parece haver sempre um juiz pronto a citar a Bíblia, apesar do Estado ser laico, ou um patrão a fazer vista grossa ao princípio «trabalho igual, salário igual». Nesta história não há virgens.